A logística reversa está funcionando? Veja dados surpreendentes

Por Entrega Feita

8 de maio de 2025

Quando o assunto é meio ambiente, poucas palavras têm gerado tanto debate quanto “logística reversa”. Na teoria, parece a solução perfeita: empresas responsáveis por recolher o que produzem, reciclagem em alta, resíduos ganhando novos ciclos de vida… Mas será que tudo isso está realmente funcionando? Ou será que estamos, mais uma vez, nos apoiando em um discurso bonito com pouca prática real?

A logística reversa é obrigatória por lei no Brasil desde a Política Nacional de Resíduos Sólidos, sancionada em 2010. Isso quer dizer que fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes têm o dever de garantir o retorno de embalagens e produtos ao ciclo produtivo. E mais: devem fazer isso com transparência, eficiência e resultados mensuráveis.

Só que, na prática, a história é outra. Existem avanços, sim. Mas também há muitos buracos — especialmente na fiscalização e no acompanhamento dos números. Empresas cumprem metas no papel, mas pouco se vê de retorno efetivo. Muitos consumidores nem sabem que podem (e devem) devolver produtos para o descarte correto. E a infraestrutura ainda engatinha em boa parte do país.

Então, vamos aos fatos. Como anda, de verdade, a logística reversa no Brasil? O que os dados revelam? E o mais importante: onde estão os gargalos — e as boas surpresas — desse sistema que promete transformar lixo em recurso?

 

O que os dados oficiais revelam (e o que escondem)

De acordo com os últimos relatórios do Ministério do Meio Ambiente, o Brasil recicla oficialmente cerca de 4% dos resíduos sólidos urbanos coletados. Pode parecer pouco — e é. Mas dentro desse percentual, uma boa parte vem da cadeia de logística reversa, especialmente de latas de alumínio, embalagens plásticas e eletrônicos. Esses são os “queridinhos” do sistema, porque têm valor comercial alto e são mais fáceis de rastrear.

No entanto, esse número não conta a história toda. Muitos materiais recicláveis nem entram nos relatórios oficiais por falta de controle. Coletoras informais, cooperativas sem apoio técnico, ausência de sistemas digitais de rastreamento… tudo isso dificulta a mensuração real do que está sendo reciclado ou retornado pelas empresas.

E mais: empresas que participam de sistemas coletivos (como os de logística reversa compartilhada) nem sempre prestam contas com clareza. Algumas terceirizam a responsabilidade sem acompanhar os resultados, o que gera uma espécie de “terceirização da culpa” caso algo não funcione. A falta de auditorias independentes agrava esse problema.

 

A participação do consumidor e os desafios culturais

Um dos pontos mais críticos da logística reversa é a dependência da colaboração do consumidor. Sem o ato de devolver, separar, descartar corretamente, o sistema simplesmente não funciona. E é aqui que entra um desafio cultural enorme: grande parte da população ainda não entende seu papel nesse processo.

É mais fácil jogar tudo no lixo comum. Falta incentivo, informação e, principalmente, estrutura. Não adianta exigir que as pessoas façam o descarte correto se não há pontos de coleta acessíveis ou campanhas de conscientização eficazes. Sem essa base, o sistema engasga — e acaba sendo ineficaz.

O curioso é que quando o consumidor entende o impacto positivo da sua ação, ele responde bem. Um exemplo claro é o aumento no interesse por compostagem doméstica. Quando as pessoas percebem que é possível reduzir resíduos em casa e ainda gerar adubo, a adesão cresce. O mesmo poderia acontecer com a logística reversa, desde que as ferramentas certas fossem oferecidas.

 

Setores que estão na frente (e por quê)

Apesar dos desafios, alguns setores têm mostrado bons resultados. A indústria de alumínio, por exemplo, é campeã em logística reversa. Mais de 98% das latas consumidas no país são recicladas. Isso acontece porque o alumínio tem valor comercial alto, e existe uma cadeia estruturada e consolidada para coletá-lo, processá-lo e reinseri-lo na produção.

Outro setor que tem se destacado é o de eletroeletrônicos. Nos últimos anos, surgiram diversos pontos de coleta e programas específicos para descarte de celulares, baterias, computadores e afins. Ainda é pouco diante do volume gerado, mas é um avanço importante. Aqui, o apelo ambiental se junta ao risco sanitário — o que ajuda a impulsionar ações mais eficazes.

O setor de pneus também se destaca. Empresas são obrigadas a recolher e dar destino correto ao volume equivalente ao que colocam no mercado. O cumprimento desse tipo de meta é mais fácil de rastrear, o que obriga os fabricantes a manterem sistemas mais organizados e fiscalizados. Quando a regra é clara e a punição é possível, o sistema anda.

 

Iniciativas locais e tecnologias emergentes

Enquanto o sistema nacional enfrenta dificuldades, algumas cidades e projetos locais estão mostrando que é possível fazer diferente. Iniciativas de logística reversa descentralizada, com apoio de aplicativos, redes de cooperativas e mapeamento inteligente de pontos de coleta, têm surgido em diferentes regiões. E os resultados são animadores.

Plataformas que permitem ao consumidor localizar pontos de entrega próximos, agendar coletas ou rastrear o destino do resíduo aumentam o engajamento e a transparência. O uso de QR Codes em embalagens, por exemplo, tem sido testado para facilitar o descarte correto e mostrar o caminho reverso do produto até sua reciclagem.

Essas inovações, ainda que pontuais, mostram o potencial da tecnologia quando combinada com engajamento comunitário. A logística reversa deixa de ser um processo burocrático e passa a ser uma experiência mais intuitiva, acessível e eficaz. Falta escala? Falta. Mas já é um começo promissor.

 

Gargalos da legislação e da fiscalização

Um dos maiores entraves da logística reversa no Brasil está no campo da regulação. A lei existe, é clara e bastante avançada em comparação com outros países. Mas sua aplicação é frágil. Faltam mecanismos de fiscalização, penalidades efetivas e, principalmente, transparência na prestação de contas das empresas.

Muitos fabricantes cumprem as metas apenas no papel, recorrendo a certificadoras pouco criteriosas ou simulando ações que, na prática, não existem. A ausência de auditorias independentes e o baixo investimento em fiscalização fazem com que o sistema perca credibilidade e eficiência.

Outro problema é a desigualdade regional. Enquanto grandes centros têm alguma estrutura de coleta e programas ativos, cidades do interior continuam sem acesso a qualquer sistema de logística reversa. Isso compromete os resultados gerais e escancara o abismo entre o que a lei propõe e o que realmente acontece no dia a dia.

 

O que falta para a logística reversa decolar de verdade

Para que a logística reversa realmente funcione, não basta só cobrar das empresas. É preciso envolver todos os elos da cadeia: governo, indústria, comércio e consumidor. Sem esse esforço conjunto, o sistema vira um jogo de empurra onde ninguém assume a responsabilidade de fato.

Investimento em educação ambiental, estímulos fiscais para boas práticas, parcerias com cooperativas, padronização de relatórios e indicadores, digitalização do sistema… tudo isso precisa acontecer ao mesmo tempo. É um esforço coletivo e sistêmico. Não dá pra consertar uma engrenagem sem revisar o motor inteiro.

O Brasil tem potencial para ser referência em logística reversa. Temos a legislação, temos o conhecimento técnico e temos exemplos que funcionam. Falta vontade política, cobrança social e, principalmente, vontade das empresas de irem além do mínimo exigido. Quando isso acontecer, os dados surpreendentes vão deixar de ser exceção — e virar regra.

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